quinta-feira, 4 de junho de 2009

Da Alfabetização Científica das ciências naturais à natureza da Alfabetização Geográfica – Parte I

Diante da questão sobre a renovação dos propósitos e da metodologia de ensino no ambiente escolar, procurei realizar uma busca acerca do ensino escolar das ciências, fossem elas humanas ou naturais, e foi assim que me deparei com o uso do termo “Alfabetização Científica” (doravante AC).
Em princípio, esse termo despertou muita curiosidade, por trazer consigo uma proposta de alfabetização para as ciências. Algo que considerei incomum, pois habitualmente a alfabetização é apresentada como uma instrumentalização para o uso da linguagem escrita.
Porém, numa busca mais apurada, encontrei definições de alguns autores para a chamada AC que tornaram mais claros seus objetivos, e ajudaram a ampliar o horizonte para essa discussão.
SASSERON e CARVALHO (2007) realizaram uma revisão de vários trabalhos em pesquisas nacionais e internacionais e concluíram que existem algumas confluências sobre a AC, e que por meio delas se pode identificar três pontos:

· o entendimento das relações existentes entre ciência e sociedade;

· a compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática;

· a compreensão básica de termos e conceitos científicos fundamentais.

Segundo a OCDE[1] a definição do que se refere a ser alfabetizado cientificamente é:

“ser capaz de combinar o conhecimento científico com a habilidade de tirar conclusões baseadas em evidências de modo a compreender e ajudar a tomar decisões sobre o mundo e as mudanças nele provocadas pela atividade humana” (OCDE, 2000, p.76).

Dessa maneira, entendo que na definição da AC seja cabível a ideia de alfabetização da linguagem científica, uma vez que o próprio conceito de alfabetização nos remete à noção de linguagem.

Vale dizer que pautando-se na noção de linguagem, pode-se abranger uma gama de significados bastante ampla, e que vai além do domínio da língua falada e linguagem verbal, nos permitindo referencias à linguagem artística, que por sua vez, se divide em linguagem musical, cênica, entre outras e a linguagem científica, que se caracteriza pelo uso do método científico.

Dessa maneira, a partir do entendimento de que a alfabetização seja a apropriação de uma linguagem, e que a escola seja o lugar privilegiado da alfabetização, passei a analisar o significado do ensino das disciplinas escolares.

Esta é certamente uma reflexão acerca da metodologia de ensino das disciplinas escolares, e tendo em vista a AC, parece ser bastante apropriado dizer, por exemplo que, ao se ensinar física na escola, não se pretende formar pequenos físicos, assim como, ao se ensinar geografia no ambiente escolar, não se pretende formar geógrafos.

Trata-se portanto de inserir os alunos nas linguagens específicas destas ciências para que tenham a autonomia de fazer leituras do mundo a partir da física, geografia e/ou de qualquer outra ciência.

FREIRE (2001), ao se referir a importância do ato de ler[2], diz que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”.

Dessa maneira, entendo que o contexto a ser lido, pode ser o da relação sensória cotidiana, com base nos conhecimentos prévios de cada indivíduo.

Deve-se portanto, trabalhar no sentido de ampliar a possibilidade de leitura dos contextos e, na medida em que o indivíduo aprimora a leitura do mundo, ele amplia seu rol de conhecimentos e expande, portanto, sua capacidade de compreender outros fenômenos ainda mais abstratos.

Assim, torna-se capaz de ler diferentes aspectos da realidade, uma vez que essa realidade se apresenta, a cada momento, mais complexa.

Esse é o movimento citado por Freire em que a “linguagem e realidade se prendem dinamicamente”, uma vez que a primeira leitura de mundo se transforma em discurso, por meio da apropriação da linguagem verbal, e na medida em que o discurso se aprimora, utilizam-se os conceitos, tornando-se visível outros aspectos da realidade que, por sua vez, possibilitam outras leituras.

Nesse sentido, a percepção da realidade dos indivíduos, ou seja os contextos, passam a ser geográficos, ou ainda históricos, biológicos, químicos, físicos, etc. Ou seja, a leitura da realidade passa a ser feita com base nos conceitos científicos de qualquer ciência, mas para que possa ser lida, esse indivíduo deve ter sido alfabetizado.

Esse indivíduo, deve, portanto, dominar um rol de conceitos específicos dessa ou daquela ciência, mas, deve, principalmente, saber aplicar os conceitos para realizar essa leitura. Essa habilidade de manipular os conceitos, pode ser entendida como “método” e portanto como a “sintaxe” de cada área do conhecimento.

Dessa forma, está se chamando de “sintaxe” o método científico de cada área específica da ciência, porque a sintaxe corresponde à ordenação lógica do pensamento que dá sentido à linguagem.[3]

O método de cada ciência é o que dá a sua especificidade, ou seja, o que garante sua contribuição na compreensão de um determinado aspecto da realidade. Nesse sentido, assim como uma floresta equatorial pode ser lida sob o aspecto biológico, também pode ser lida sob o aspecto químico, e da mesma maneira, sob o aspecto geográfico.

Assim, o que se objetiva é estabelecer uma relação entre a AC e a possibilidade de alfabetização científica em geografia, trazendo a noção de “Alfabetização Geográfica”.

No caso da leitura geográfica da realidade, o indivíduo deve dominar os conceitos da geografia e sua “sintaxe”, ou seja, dominar a ordenação lógica da leitura geográfica da realidade.

Dessa maneira, entendo por leitura geográfica da realidade a noção da espacialização dos fenômenos, tendo em vista o princípio da localização. Assim, entende-se a sintaxe da geografia como a ordenação topológica dos fenômenos e esta deve ser, portanto, a base da Alfabetização Científica em Geografia.

Augusto Monteiro - Bacharel em Geografia USP / Mestrando em Metodologia do Ensino de Geografia: Faculdade de Educação - USP / Professor de Geografia no Ensino Médio - Escola Nova Lourenço Castanho.

Bibliografia

BACHELARD, G - A formação do espírito científico : contribuição para uma pscicanálise do conhecimento; tradução Estela dos Santos Abreu. Editora: Contraponto, 1996 - Rio de Janeiro.

BAKTHIN, M. Maxismo e Filosofia da Linguagem. HUCITEC: São Paulo, 1992.

CARVALHO, A. M. P. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas – XIV ENDIPE. 2008.

CHASSOT, Attico, (1993). Catalisando transformações na educação. Ijuí: Editora Unijuí, (1994). A ciência através dos tempos. São Paulo

FREIRE, P. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER em três artigos que se completam. Editora Cortez. 42o edição,1992. São Paulo.

FOUREZ, Gerard, (1995). A construção das ciências. Introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da UNESP.

MARANDINO, M. (Org) Educação em museus: a mediação em foco. FEUSP. São Paulo. 2008. 36p.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MÉDIA E TECNOLÓGICA (SEMTEC), (1999). Parâmetros curriculares nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC (versão disponível no site do MEC).

VOGT, C. A espiral cultura cientítica – revista eletrônica.

[1] OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico é quem realiza o programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês)

[2] Trabalho apresentado na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em novembro de 1981.

[3] ARISTÓTELES - Organon. Primeiro volume. Guimarães editores, Ltda - 1985 - Lisboa.

2 comentários:

  1. Augusto,
    Fui convidada pelo prof. Douglas a acompanhar esse Blog,apesar de não ser geógrafa. Sou educadora, trabalho com formação de professores de Fundamental I e concordo com seu posicionamento, porém penso que essa posição ainda esteja muitodistante dos livros didáticos e do encsino da Geografia. Fico analisando os livros destinados aos pequenos, e por isso, talvez mais voltados à alfabetização geográfica e encontro ali apenas uma série de "pontos", conceitos descritos e muito pouca oportunidade de construção de sentidos, ou da "sintaxe" a que você se referiu. Seria essa apenas uma exigência do mercado, uma representação coletiva da GGeografia que ainda a enxerga, como há muito tempo se dizia "umamátéria decorativa"? Ou seria ainda uma dificuldade metodológica em transformar em sentido, em possibilitar relações dos geógrafos? Essa é prua provicação de quem não é geógrafo!

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  2. Olá, Sílvia. Boa tarde.
    Esse não é um lugar comum na perspectiva metodológica do ensino de geografia. Acho que trata-se mais de uma dificuldade da compreensão metodológica, como você mesma já sugeriu, que apenas uma questão de mercado.
    A noção de que a geografia seja uma linguagem a ser alfabetizada vai de encontro com a ideia de uma "geografia escolar" e outra científica/acadêmica ou ainda, a necessidade de uma "transposição didática" da geografia acadêmica para o nível escolar.
    Nesse sentido, coloca em questão um ponto muito mal resolvido na geografia, o qual se refere à especificidade dessa ciência. E esse é um grande desafio.

    Obrigado pela contribuição e gostaria muito de continuar esse debate, portanto sinta-se a vontade para postar mais comentários!

    Augusto.

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