segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Steiner, Vigotski e Meu Avô

Prólogo

Caro leitor, considere o conteúdo deste texto como um ponto de partida para a auto-reflexão sobre como aprendemos as coisas e como nos tornamos quem somos. A partir dessa auto-reflexão sugiro outras:

Como nos tornamos seres humanos com vontade e capacidade de ensinar?

Como levar em conta o próprio processo de aprendizagem para o projeto de ensino que desenvolvemos e sonhamos?

Este texto relaciona algumas contribuições de três grandes pensadores: Rudolf Steiner, Liev Semiónovitch Vigotski e Benito Garcia, Meu Avô. Levaria muito tempo registrar tudo o que aprendo com estes três pensadores, portanto farei isso através de pequenos memoriais. São situações as quais se fundem e constituem parte de um lugar chamado meu aprendizado.

Steiner, Vigotski e Meu Avô

Memorial I – Força e Coragem!

Conheci Meu Avô bem antes de Vigotski e Steiner e toda vez que os encontro penso, aprendo ou compreendo algo novo. São sempre lições de vida, da vida e para a vida. Meu Avô nunca ouviu falar dos Srs. Vigotski ou Steiner, nunca leu nenhuma de suas obras e nem imagina o conteúdo de seus escritos. Além disso, não há registros de que Steiner e Vigotski trocavam informações. Entretanto, posso afirmar que existe uma série de coisas em comum entre os três e que minha vida é testemunho de suas idéias e ideais.

Tudo (re)começa quando recordo as palavras de Meu Avô: “Força e Coragem!” As ouço desde os quatorze anos de idade e naquele tempo achava que era o jeito dele dizer tchau. Foi nessa mesma época que passei a trabalhar e alimentar a idéia de ser alguém, conquistar minhas coisas, meus sonhos, minha independência, caminhar com as próprias pernas, pagar minhas contas e por aí a fora. Um pouco mais velho e com mais responsabilidades, entendi a mensagem de maneira mais direta: era preciso ter força e coragem. Aos dezessete dezoito anos novas oportunidades e desafios surgiam, e a cada mudança de rumo na vida eu pensava naquelas palavras de Meu Avô. Sempre o ouvi com toda atenção do mundo e aquela conhecida e repetida frase é um sinal de boas novas!

Assim foi durante todos os anos seguintes até que em 2007 fui trabalhar na Escola Waldorf Rudolf Steiner. Ela havia completado 50 anos de existência no ano anterior e toda sua filosofia e fundamentação pedagógica, pautada na obra de Rudolf Steiner, vinha sendo revisada e discutida pelos professores. Numa das situações de leitura e estudo dos pensamentos do fundador da pedagogia Waldorf me deparei com as conhecidas palavras: “Força e Coragem!” Lembrei do Meu Avô e pensei em quantas vezes já havia escutado aquilo. Senti-me familiarizado com o sentido das palavras ao mesmo tempo percebia que antigos significados estavam dando lugar a outros. Era um processo de re-significação, um processo de enriquecimento e transformação de significados da expressão “Força e Coragem!” Steiner disse a professores da escola Waldorf de Stuttgart no início do século XX o mesmo que Meu Avô me diz no século XXI, em contextos muito diferentes. Duvidei por alguns instantes se Meu Avô havia lido algo de Steiner e obtive a resposta num final de semana de julho de 2009: “Não!”

O mais interessante ainda está por vir. Estávamos (Eu, Leandro Duarte, Augusto Monteiro, Leandro Martins, Guilherme Pascal e Douglas Santos) no Grupo de Estudos sobre Ensino de Geografia retomando alguns textos lidos na faculdade. Fiz uma disciplina chamada Psicologia da Educação e durante o curso fizemos uma pesquisa sobre a obra de Vigotski, mais especificamente o conteúdo do livro Pensamento e Linguagem.

De modo geral o autor dedicou-se ao estudo do que chamou de funções "psicológicas superiores”, ou seja, processos como o pensamento humano. Segundo ele, esses processos são distintos dos “elementares” (reações automáticas, ações reflexas e associações simples) que são de origem biológica. A aprendizagem é um exemplo de processo construído pelo ser humano, de uma função “psicológica superior”, pois se origina a partir de estímulos e respostas dadas e construídas diante das relações entre as pessoas. Referem-se a ações humanas que podem e devem ser conscientemente controladas, mecanismos intencionais e processos voluntários que dão ao sujeito a possibilidade de independência em relação às características do momento e do espaço presente. Tudo isso se desenvolve ao longo de uma interiorização do conteúdo dessas relações e das formas culturais de comportamento de cada uma das partes envolvidas na relação.

Segundo Vigotski, a “Linguagem” é o ponto chave (o paradigma) dos processos de interiorização das “funções psicológicas superiores”. As palavras e os signos (nas mais variadas formas e linguagens) são meios de contato social entre as pessoas. As funções comunicativas e cognitivas da linguagem tanto expressam como organizam nosso pensamento. A relação entre o pensamento e a fala passa por várias mudanças ao longo do desenvolvimento. Apesar de terem origem e se desenvolverem de modo independente, em certo momento o pensamento e a linguagem se encontram e dão origem ao funcionamento psicológico complexo. A conquista da linguagem representa um marco no desenvolvimento humano.

Vigotski observou que a linguagem e o pensamento seguem uma seqüência de desenvolvimento, passando da fala exterior para a fala egocêntrica e chegando a uma fala interior. Ou seja, num primeiro momento o conhecimento se constrói de forma inter-subjetiva (entre pessoas) e, num segundo momento, de forma intra-subjetiva (no interior do sujeito).

Sua obra oferece subsídios à compreensão de como adquirimos, trocamos e produzimos o conhecimento em diversas fases do desenvolvimento humano, permitindo a organização lógica e até a proposição de situações pedagógicas significativas no processo ensino-aprendizagem.

No caso, pude relacionar sua teoria com minha vivência. Identifiquei como um determinado conjunto de palavras ocupou meu pensamento e, depois, se transformou e se re-significou no interior de minha consciência. Hoje, o signo das palavras ditas por Meu Avô e por Steiner, é completamente diferente e muito mais profundo. Os estudos de Vigotski permitem a compreensão de como as palavras “Força e Coragem” se re-significaram em minha mente e como posso instrumentalizar meus alunos com o recurso da palavra. Além disso, há uma série de considerações acerca da produção de Steiner que ficarão para um próximo Memorial.

Atualmente escrevo para todos os meus alunos formandos, num contexto geográfico totalmente diferente, as palavras: Força e Coragem sempre! (Re)escrevo a fim de que as coisas um dia se re-signifiquem também para eles, ou pelo menos que carreguem consigo o tanto de “Força e Coragem” suficientes para as transformações que a vida exige e sempre exigirá. Espero que possam, por eles próprios, descobrir tantas coisas importantes como pude descobrir. E aproveitando o assunto e os assuntados, deixo numa certa linguagem algo que aprendo com Meu Avô e que foi pensado por Steiner:

“Nicht darauf kommt es an,
dass ich etwas anderes meine,
als der Andere,
sondern darauf
dass der Andere das Richtige
aus Eigenem finden wird,
wenn ich etwas dazu beitrage.”

“Não importa
que eu tenha uma opinião
diferente da do outro,
e sim
que o outro venha a encontrar
o certo a partir de si próprio,
se eu contribuir um pouco para tal.”

Rudolf Steiner

(Poemas e Pensamentos: reflexões para o nosso tempo / coletânea organizada por Herwig Haetinger; [tradução do organizador]. 2ª Ed. Ver. E ampl. – São Paulo: Ed. Antroposófica: Christophorus, 1998.)

Breve Quadro Referencial:

Steiner, Rudolf

Vigotski, Liev Semióvitch

Garcia, Benito (Meu Avô)

27/02/1861 (Kraljevec/Áustria) –

1925 (Dornach/Suíça)

17/11/1896 (Orscha/Bielorrussia) – 1934 (Moscou/Rússia)

04/03/1920

(Jaú-SP/Brasil) –

em vida (Itu-SP/Brasil)

Conheci em 2007 como professor de Geografia da Escola Waldorf Rudolf Steiner

Conheci em 2003 como estudante da disciplina de Psicologia da Educação, no curso de licenciatura da PUC/SP

Conheci em 1977 quando nasci e ainda convivo como neto, quarto filho de seu filho mais velho

Cumpriu estudos superiores em ciências exatas, dedicando-se à edição dos escritos de Goethe. Deixou enorme contribuição no campo das artes, da organização social, pedagogia, farmacologia, agricultura e medicina. Desenvolveu a ciência-espiritual, a pedagogia Waldorf e fundou a Sociedade Antroposófica. Possui vasta bibliografia, que pode ser encontrada na web, na Editora Antroposófica e na biblioteca da Escola Waldorf Rudolf Steiner.

Estudos no campo da lingüística, das ciências sociais, da psicologia, da filosofia e das artes. A partir de 1924 desenvolveu trabalho sistemático em psicologia. Maiores informações sobre a obra de Vigotski, ver:

LATAILLE, Yves et alii. Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias psicogenéticas em discussão. SP, Summus, 1992.
VyGOTSKY, L. - A formação social da mente. SP, Martins Fontes, 1987.
___________. - Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1988.
VyGOTSKY, Leontiev, Luria. - Psicologia e Pedagogia. Lisboa, Estampa, 1977.
___________. - Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. SP, Icone, 1988.

Aprendeu a ler e escrever depois dos 10 anos de vida com seu pai, nunca freqüentou Escola. Trabalhou na lavoura do café, serviu o exército e depois trabalhou em algumas fábricas de doces, tanto em Jaú como em São Paulo. Aposentou-se no ano em que nasci. Fez curso de Religião Católica, Radio e Televisão e atua como filósofo do cotidiano, orientando filhos, netos e amigos. Produziu uma auto-biografia: “Lembranças de uma vida passada” (2008).

RANGEL LIMA GARCIA

Bacharel e Licenciatura em Geografia - PUC/SP;

Mestrando na Área de Ensino do Programa de Estudos Pós-Graduados em Geografia da PUC/SP;

Professor da Escola Waldorf Rudolf Steiner;

Professor do Departamento de Geografia da PUC/SP.

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